domingo, 25 de outubro de 2009

Tempo Fechado

A lembrança de uma lembrança esquecida
Que convém ser resgata,
Imprecisa e insegura,
É um momento sem tempo,
É curva impossível na linha sem reta.

O choro que treme antes da lágrima,
O momento ínfimo-infinito
Do som imediato da pausa:
A esperança de não ser pausa interrompida.

Vieira Hartmann

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Outro poema sobre o comportamento do tempo

Foi-se o tempo dos lampejos,
Dos estalos sem som, foi-se
A tempo de causar feridas e
Saudade. Foram para longe as
Idéias não escritas, que já
Foram partes fundamentais e
Superiores da memória, como
Brisa foi despercebida para
Longe a tal inspiração. Foi,
Discreta e silenciosa, para
Nunca a inocência que cor
Dava ao turvo, foi-se o mês,
O ano, o dia e a hora, foram
Todos juntos com o tempo em
Que não havia tempo, e tudo
Agora.

Vieira Hartmann

sábado, 19 de setembro de 2009

Exemplo de como o tempo se comporta de formas diferentes para cada um

Ontem encontrei uma velha amiga
Que agora tinha sua personalidade
Modificada por uma tesoura, mas que
Ainda ambientava seus sonhos
No infinito. Conversamos bastante,
Ela me chamando por um velho
Nome que se perdeu na linha do tempo
Ou em alguma linha de minha
Carteira de identidade por
Entre a bagunça da minha
Carteira. Ria de lembranças
Enquanto fingia escutá-la,
Às vezes brincando de lembrar
Qual era a cor de seu cabelo
Na época, às vezes tentando
Descobrir o que havia de tão novo
Na sua dicção e no seu vocabulário.
Percebi que o mito do tempo não
Passa para todos, percebi que eu
Havia envelhecido mais, sendo
Ainda tão novo, até mais novo que
Ela, mas como não consigo
Enxergar infinito nem rejuvenescer,
Como não consigo mudar minha
Dicção nem o meu vocabulário,
Decidi me despedir dessa outra
Em que se transformou minha
Amiga, para se manter mais
Jovem, e finalmente pensei que
Talvez fosse eu o único velho
Amigo ali presente.

Vieira Hartmann
Se não tem títulos
Meus poemas de amor
É porque é só um
Todos os meu poemas de amor.
São as mesma palavras
Repetidas de um mesmo e só
Amor.
Amor que renasce, infla,
Gela, derrete, esquenta...
Seriam incompatíveis
Títulos se não há amores.
E seriam incompatíveis
Amores, já que não passo
De um único título.

Vieira Hartmann

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Se finjo que te amo,
É por que finjo ser teu?
Te amo mais por fingires que finge
Que desconfias do que não sabes,
Te amo por ser meu
O teu amor que não me deu,
Te amo por ser rasa
Qualquer explicação profunda
Do teu amor. Te amo com palavra
Corpo e solidão, e encharco minhas
Pálpebras com o curso do rio de teu
Ventre.

Ainda serás minha hoje a noite,
E no alvorecer do eternamente.

Vieira Hartmann

O Abismo

Mijo no bidê! Escarro na pia da cozinha!
Desconstruo o que é real sobre o
Realismo inoportuno das horas e
Grito meu anseio largo em silêncio.

Sofro de um mal de raiz vermelha.
Mal de acinzentados olhos que só
Olham para dentro. E o futuro me da
Vertigem como se escalasse um abismo

Com frutos nas pedras, ninhos vigiados
Por aves de rapina, lagartos que
Piscam as membranas pra focar galhos

Ao invés de me focar, mais um cervo,
Diminuído pelo só privilégio de ser
Tão vivo quanto tudo no abismo.

Vieira Hartmann

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Para o amigo Alexandre Carvalho

(inspirado na Ode à Alegria de Schiller, poema musicado por Beethoven na Nona Sinfonia)

“Ó, amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!...”

... o som desloca-se ao longo
E ele para longe
Como um close para o fim
Chega ao começo sua vida,
Ó, Irmão da filha do Elíseo!,
Bardo solto que navega.
Muitos dizem que em nenhum lugar mora
Mas ele é vivo onde passa
E sempre sabe bem quando está em casa.

O som aumenta
Seus pensamentos no mar cessam
Enquanto percebe na tônica um novo naipe
Um arranjo invejável...
- Uma coca antes do embarque?
Esquecesse de sua irmã,
E mesmo com uma luz vespertina
Tentando rigorosamente luzir pelo sorriso
Ele não deixa de perceber que já é noite...

“...Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável...”

Ouve as últimas notas da nona
Ri pra si mesmo com esforço
Para seguir alegremente
-“Como o herói diante da vitória”-
Enquanto atravessa as portas da ala de embarque.

Responde sem pensar ao segurança
e nem sabe se pensou ou no que respondeu
5 minutos depois.
O tempo malicioso finge passar lento
Mas mais astuto ele percebe que a sinfonia acabou...
- Acabou?

Mais uma fez ri sozinho
Dessa vez endereça a natureza tal feito,
Agradece os beijos e vinho
E os amigos leais até a morte.

É privilegiado pelo céu estrelado,
Que no vidro somado ao seu reflexo
Desenha-o sob as estrelas...
E então, finalmente percebe que está em casa,
Pois lá, solto sob as estrelas
É onde ele mora.

Vieira Hartmann

sábado, 15 de agosto de 2009

Couro morto

A amargura é armadura
E a roupa de antes foi posta pra lavar.
Saio na noite alta,
Alto como uma folha que cai
Respirando indigestão de cedo amanhã
Na sombra madrugada que me amparo
Desastro pelas ruas
Tonteando as tuas curvas
Sem nitidez, sem odor, sem faro.

Vieira Hartmann

domingo, 24 de maio de 2009

Pessoa Primeira

N’algum momento impróprio,
tente me fazer cantar sua
Nota: - oferece me, você, a
Última página da história.

Entre os castigos de sempre
Prefiro a dubiedade aos silêncios
Monossilábicos.

Vieira Hartmann

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Nome de Guerra

Olhou para o espelho e
ordenou: quebra-te!,
mas nada aconteceu.

Retornou ao espelho,
quis convencer-se que
não se chamava mais
aquilo que sempre a
chamaram,
mas não se convenceu.

Voltou a noite e relutou
para acreditar: o espelho
intacto e mais límpido que
nunca mostrava-lhe, de
forma cristalina, que era
outra,
mas que nunca amanheceu.

De manhã correu pro
armário, pegou suas
roupas, que não a vestiam:

olhou pro espelho, vestiu
suas roupas e seu nome
de guerra, que seus pais
escolheram, e como tinha
que sair, trabalhar e viver:
adormeceu.

Vieira Hartmann

terça-feira, 5 de maio de 2009

Desenho Retrato

Seus olhos se misturam a vermelha cor
sangue de alguém, mesmo de forma fugente
se atira contra os olhos, e nunca partes
definitivamente,

seu sorriso plástico alterna e mente e se
choca contra a própria vontade de sorrir
plasticamente, vira e sai e nunca parte
definitivamente,

sua voz ancora na margem do vão de
minha memória amargurada com a vasta
repetição de desconsolos por ti causados.

Ancoras e deixas em meu porto teu casco,
partes em parte, nunca definitivamente.

Vieira Hartmann

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Viveiros

Procuro meus dias nas minhas noites
inacabadas. Nos cantos da casa, nas
caixas de papelão amassadas. Nos
ocasos e alvoradas do lustre da sala.

Recebo meus dias em imagens soturnas,
deformações noturnas nos sonhos diários,
e quase sempre diurnos. Procuro na noite
a nau da tarde perdida, e sorrio pra lua.

Me movo como o peão no xadrez, esgueirando
sempre avante, vislumbrando a diagonal e
um final que me faria forte. Mas sempre chego

nesses longos corredores de paredes ocas,
procurando os dias em vigilantes noitadas,
e só os acho em poemas: nos viveiros das mágoas.

Vieira Hartmann

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Moça da bolsa

Segue numa estrada curvilínea: onde
sempre me é apresentado novos
horizontes. Canso de pensar quando
vai acabar o que tanto me cansa!

Olha na calçada: pés de moça que
brincam de escorregar o meio fio,
decidindo se a margem pode não
ser tocada. Mantenho-me,

digno-me apenas a olhar para a
sinalização: Verde! escorrega
o pé e desliza a mão na bolsa.

Perde o ônibus, solta a bolsa, se
perde entre beijos, e se encontra: na vã
esperança de uma estrada em linha reta.

Vieira Hartmann

Gélida, impávida, disforme!

Acordo com uma lembrança falsa
de um atordoante sonho
quente, formatado e coerente.
Faz lembrar-me dos custos
maiores, e sempre maiores, que os lucros
dos cacos que fui,
e que sempre serei
medroso, insone, indiferente,
e agoniado pela eterna espera
De um adeus inesperado.

Vieira Hartmann

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Boas Vindas

Quando curvam-se aos pés de falsas majestades,
quando o átrio, que não passa de um quarto
um pouco mais arrumado, está cheio de falsa
solenidade, é que enxergo minha falta de coerência.

Emprego minhas palavras por pena, meu desenho
disforme é qualquer sentimento alheio a ela, minha
falsa inspiração é minha falta de bom senso,
meu ombro amigo, meu pescoço impede a cabeça tocar.

Mesmo assim luto bravamente contra meus
invisíveis inimigos, caminho na contramão de um
horizonte claro, fingindo reger do escuro a multidão.

Brindo ao desagradável para agradar quem brinda.
Atrás de mim, minha casa continua a desmoronar
enquanto, insistentemente, eu varro o tapete de boas vindas.

Vieira Hartmann

quinta-feira, 5 de março de 2009

Fotofobia

Fóbicos olhos
que enxergam distorção
em ondas não pulsantes,
ondas que nem ondas são.
Sinto cede, pouco fome.
Me engano com a refração,
na mensagem de mercúrio
minha febre se anuncia
e mais vermelho fica,
de vermelho que é o sol.
O termômetro reverbera
raios, como se olhares
lançasse contra.
Fere meus olhos
e implode uma fobia
super nova.

Vieira Hartmann

terça-feira, 3 de março de 2009

Simples

Simplesmente
olhava a pintura
feita em mármore
com tinta esmalte,
cotonetes
e pano de malha.

Fazia-se bonita simplesmente
com esmalte,
cotonetes
e pano de malha.

Definia-se de forma simples
muito aquém de qualquer expectativa,
sorria fácil.

Caminhava nos longos corredores
do labirinto - que era seu jogo -
já sabendo o caminho certo e o errado,

por saber os dois,
simplesmente caminhava
sem planejar.

Seus olhos o atraiam,
eram hipnotizantes.

Ele,
mais maduro,
mais culto,
sabia quase tudo
que era certo ou errado.

Tudo em vão,
já que continuava inerte
fixado nos olhos dela,
latejantes,
levemente úmidos
e coloridos com perfeição.

Enquanto, com perfeição
ludibriava-o zombeteira
caminhando leve no longo labirinto,
sorrindo e dissimulando
seu propósito casual.

Ele, ficava aos poucos para trás
desnorteado, não sabia bem
o que o ocorrera.

Em que errou?

Não percebia
que ela não o enganara
somente em seu labirinto,
ou em seus olhos
(que fingiam apreciar a
pintura, quando na verdade
aproveitavam o reflexo
do verniz),
ou no esmalte,
cotonete e pano de malha,
ou com sua forma
simples.

Não percebia
que ela o enganara
por enganá-lo...
simplesmente.

Vieira Hartmann

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Portas

Entrar pela porta da frente
ou pela porta pela de trás,
pra mim tanto faz,
arrombo se necessário!
Decido o que é meu
e não sou solidário.
Não divido!
Já sou dividido por minhas dúvidas,
já sou perseguido pela minha consciência
suja, morna e desprovida de paciência.
Já entrei pela porta da frente
e guardo as chaves,
já entrei pelo porta de trás,
assumindo minha leviandade.
Agora pouco me importa
ir pela frontal ou pela traseira,
essa casa minha
e volto quando quero,
volto quando decido,
o meu quando não importa,
visitantes jamais serão bem-vindos!

Rodrigo Hellmuth

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sobriedade

Reflexos vítreos
exibem lacunas
a serem preenchidas,
as horas passam lentas
o estômago não diz nada
olho para todos os lados
de uma sala mal desenhada:
- parece viagem transcendental.
Sinto-me aliviado por um breve momento.

Vieira Hartmann

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Novo Ano

Mal começa o ano
tantas coisas por terminar.
Nem cheiro de novo tem!
Ano novo,velhas datas,
datas que me esperam
como noivos no altar
esperam sua noiva:
tronco erguido,
uma certeza disfarçada de esperança,
uma esperança disfarçada de certeza,
e um véu tão pesado.
Não sei se é esse peso que carrego
ou se é algo que o futuro me guarda.
Certo mesmo é não esperar.

Vieira Hartmann

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Oriento-me

Oriento-me por estrelas apagadas,
extintas orientam minhas mãos,
minhas palavras e meus apelos
impensados por vezes.
Com um tom desorientado
guio como cego no fim da tarde,
sobresaindo sobre aqueles que
insistem em tudo ver.
Ouvidos por surdos
discursam mudos
sobre a vida que acaba,
enxergando cegos
seu belo céu estrelado.

E eu rio:
ontem mesmo outra estrela apagou.

Rodrigo Hellmuth

Longínqua Infância

trago à memória
todos os efeitos
dos feitos matutos
de minha infância
dos pinéis das esquinas
das carambolas
degustadas quase
nos topos de suas árvores
lembro
lembro do pão na padaria
e do troco que virava
polenguinhos e sonhos
ou nos sonhos ficavam
quando faltava no estoque
tiro da memória nada
nem as cavadas para a búlica
nem as embaixadas frustradas
as vezes o oceano de minhas lembranças
traz com a maré o que eu menos espero
da voz de alguém odiado
aos vultos que ficam
no lugar dos rostos adorados
como a música da areia
(que lembro só porque ouvi semana passada)
algumas coisas até voltam
outras estarão sempre enterradas
lembro, mas não volto
me adianto
aprendi na minha infância que
quem pensa que o tempo volta
anda sempre atrasado

Vieira Hartmann

Dissabor

com um copo na mão
olho pra janela.
Na janela, não sei mais
se o que vejo
é seu liquido escorrido,
cansado de manter-se inerte,
ou se são somente pingos,
restos de um céu
que continua a se esconder.
E olha que a chuva passou faz tempo.
Engraçado,
só no último gole d'água
costumo sentir seu desgosto.

Vieira Hartmann

Poemas para meus poemas

Nasço,
nasço sem data
sem segregar cheiro de onde.

Levanto,
sem o olhar malvisto de deboche
e super bem-humorado.

Ando,
guio com a mão destra distendida
e erguida para o apreço.

Corro,
sem fugir de segmentos
e sem perseguir nostalgia.

Caio,
deliciando o saboroso gosto de perda
e alardeando toda a felicidade do sofrer.

Durmo,
e quando durmo,
durmo bem
mas volto,
volto quando fico:
de mim renasço.

Rodrigo Hellmuth

Inspiração Má

Luminosidade que vem do sol
reflete na lua espelhada no mar
que me ilumina, ao olhar o oceano de mágoas
que é a vida que fui encarnar.

Então me levanto e assovio esse pranto,
jogo pra fora verdades notórias
que disfarço num canto falhando
ao esquivar-me de dar respostas.

Pois das sobras da minha ruína,
a poeira profusa de meu desmanchar
de certo no fundo é o que te fascina,
vadia sadista, inspiração má.

Vieira Hartmann

Sonhos

Trafego entre os mesmos,
os mesmos que eu
e os mesmos de sempre.

Dizem que ando desligado,
não tenho visto ninguém.

Ando pelas ruas sonhando,
sonhos que minha insônia faz calar
e durmo no momento errado,
no ônibus que escrevia poesia
ou na sala
que insistem em ler-me histórias de ninar.

Depois leio em casa,
depois de trafegar entre os mesmos.
Aqueles que sopram frases no meu ouvido
e os mesmos que gritam
o que não se deve escutar,
transformam em sinfonias
vulgaridades e bordões.

Batem no ferro, tocam o sinal
agradecem ao motorista
e chegam em minha casa.

Desgraçados!
só se calarão amanhã,
quando eu voltar a sonhar.

Vieira Hartmann